sábado, 24 de março de 2012

You only live once.


          ''Começou assim. Não, não foi assim, na verdade eu nem me lembro bem como ou onde começou, só sei que. Caminhante estava eu, sozinha. Não que isso me afetasse, claro que não, e apesar de parecer piegas era a mais pura verdade que eu já tinha me acostumado. É, acostumada de ser sozinha, sabe? É que as pessoas aparecem, me ofuscam e simplesmente desaparecem depois, você entende? Meus olhos ainda ficam ardendo durante vários dias consecutivos até que eu me acostume novamente.
           Dele, é que eu não sei mesmo como começar. Nunca o havia visto. Mentira. Tinha visto sim, mas apenas o brilho longínquo, como em outro planeta, outra galáxia, não sei. Só sei que era de longe. E como em um piscar de olhos, vi-o mais perto, e cada vez mais e mais perto. Até que. Sim, sim, sim! Eu disse repetidas vezes sem pestanejar. Nossos caminhos se cruzaram, olha só, quem diria, eu nunca imaginaria. E você não sabe o quanto brilhamos. Nem me ofuscou, e por mais incrível que pareça, eu fazia parte de toda àquela luminosidade. Brilhamos tanto - juntos - que os outros foram ofuscados.
           Outros o quê? Outras pessoas, outros astros, outras galáxias, isso não vem ao caso. O que vem é que. Foi tão bom. A purpurina nos invejaria. Nada brilhou mais do que ele e eu, eu e ele juntinhos. Foi de dar gosto de ver. E eu queria ficar ali, brilhando por toda a eternidade. Feito estrelas-gigantes-vermelhas.
           Mas aí ocorreu que. Sempre acontece, você sabe, eu já te disse. Ele se foi. Foi mesmo, apesar de todo o brilho que tivemos ao nos encontrar no meio de nosso caminho. Mas não o culpo. É o que a física chama de - como é mesmo? Ah é. O princípio da independência da luz. Dois feixes de luz sozinhos que se cruzaram entre si, brilham mais fortes juntos, mas continuam seguindo o seu caminho. Sozinhos. E sem sofrer alteração.
           Só que eu, que sempre gostei de quebrar regras, princípios e afins, quebrei mais esta. Sofri alteração.''


JBW

domingo, 18 de março de 2012

Procura-se: Vergonha na cara.

   

   ''Ao reler uma crônica de Martha Medeiros, publicada em seu livro Doidas & Santas, parei. Parei para refletir quando ela diz que ela é do tempo em que as pessoas tinham vergonha na cara. E tenho que concordar. Hoje em dia, as pessoas não tem mesmo um pingo de vergonha. Nem na cara nem em lugar nenhum. Aliás, o que é mesmo essa tal de vergonha? A falta de vergonha dos outros, me faz ficar com vontade de fazer um presente com um papel bem bonito e um recadinho. O presente é um óleo de peroba. E no recadinho está escrito: para passar nessa sua cara de pau.
   Têm que ter muita falta de vergonha mesmo. É normal você ouvir tanto homens quanto mulheres dizendo que já perderam as contas de quantos ficaram. Todo mundo pega todo mundo e isso é... normal. E o respeito? Nem se ouve mais falar dele. Aliás, dele, só ficaram com o final da palavra: peito. É peito, é bunda de fora e todo mundo acha lindo e bate palmas. Chamar a mulher de cachorra, cantar músicas que só falam em putaria e esfrega-esfrega. Lindo, magnífico, fico até emocionada. Choro. Mas só se for pra chorar de horror de tão triste que tudo isso é. De tão deprimente que é essa decadência toda. Eu, ao contrário de Martha, não posso dizer que sou do tempo em que as pessoas tinham vergonha na cara, porque conheço gente da minha idade (e até mais velhas) que não sabem nem o que significa essa palavra, quem dirá, saber como aplicá-la. Mas posso dizer que. Nasci na época errada.
    Estamos no século da decadência. De literatura, de música, de cultura, de comportamento e principalmente, decadência de pessoas. Quando eu vejo menininhas mais novas do que eu, fazendo coisas que nem eu com quase 18 já fiz, fico a pensar que. É de dar pena. Ter uma infância feliz e bem vivida é privilégio para poucos. Querem ter todo o direito de gente grande antes do tempo. Eu, já sou o contrário. Quero retroceder à minha infância e aproveitar mais ainda. Voltar na época em que ter um Melocotom era tudo de bom. Voltar para a época em que as crianças ouviam balão mágico e não como agora que já aprendem a balançar a bundinha e ficar cantando coisas sem sentido e pervertidas. Voltar à época em que se ficava acordado até tarde só para cuidar de um tamagoshi para que ele não morresse. Hoje, criança acordada até tarde é sinal de. Boate ou internet.
    Estamos na época negra. Tudo é desaculturação, nos deixa alienados e burros. Que Deus permita que eu fique o mais longe disso o possível, que nem eu nem você sejamos infectados pelo vírus dessa nova geração. A geração dos sem-vergonhas-desaculturados. Geração que banalizou o 'eu te amo', geração que acha feio ser diferente, geração que julga e maltrata. Geração que rotula pessoas como 'caretas' ou 'ultrapassadas'. Que seja. Prefiro muito mais ser rotulada de careta e o diabo à quatro do que não ter vergonha nenhuma e ainda achar bonito.
    Então, já que sou careta, por não achar bonito essa desaculturação, essa falta de caráter, essa mentira na maior cara limpa e lavada e por acreditar que existe sim o amor  de verdade e não o banalizado, eis que spo me resta dizer: Senhor, obrigada por me ter feito tão careta, amém.''



JBW

sábado, 10 de março de 2012

Somewhere only we know

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    ''O céu estava mais claro do que costumava ser, a grama estava mais verde e os passarinhos cantavam a mais bela melodia já ouvida. Era primavera. E eu estava sentada na sombra de uma árvore daquela clareira, enquanto lia e admirava. Admirava e lia. Fechei meus olhos por alguns minutos, deixando que a brisa batesse em meu rosto e balançasse meus cabelos.
     Deixei o livro momentaneamente de lado, coloquei meu walkman - sim, um walkman mesmo, sou um tanto à moda antiga, um tanto diferente baby, sou uma jovem dos anos 80- e pude relaxar, não pensar em nada, em nada mesmo, deixar a brisa agir por conta própria passando por dentro de mim, brincando com minha alma sorridente.
     Acho que cheguei a adormecer por instantes. Não tinha noção da hora e nem queria ter. Não queria mesmo. Era uma sensação leve, um vestido branco e cheiro de lavanda. Foi então que sem que eu percebesse, alguém se sentou do meu lado. E era você. Não sei quanto tempo você ficou ali em silêncio até que eu o notasse. Você estava com as pernas esticadas e com as mãos na nuca, encostado também na árvore - a mesma - mas não encostando em mim. Você tinha uma aparência leve e um sorriso torto - seu charme. Parecia um anjo de cabelos negros. Não pude deixar de sorrir. Você estava mesmo, estupidamente bonito. Sempre mais bonito pessoalmente do que nas minhas lembranças. E eu que já tinha me acostumado com a ideia de que nunca mais. Mentira, eu jamais me acostumaria.
     Você abriu os olhos lentamente e esboçou um sorriso de orelha à orelha mostrando suas covinhas que eu tanto lhe dizia e você tanto negava. É sinal de beleza. Você retirou meus fones e disse que eu continuava sendo uma menina estranha. Sempre, eu confirmei. Ainda bem, estava sentindo falta disso, disse-me. Pegou na minha mão e falou repetidas vezes que sentia muito, que sentia muito, muito mesmo, enquanto olhava no fundo de meus olhos sem desviar. Não importa, eu disse, passou, todos sentimos muito. Mas isso não bastava, você queria repetir, como se aquilo lhe tirasse um fardo que estavas a carregar durante muito tempo.
     Você estava diferente, os cabelos um tanto quanto mais longos (não tão longos), uma barba rala e mal-feita e um rosto um tanto mais maduro. Já faziam seis anos desde o nosso último encontro e eu não tinha ideia de como você havia me encontrado, o fato era que. Eu estava gostando. E como se lesse os meus pensamentos, você me disse que não tinha se esquecido de meu lugar - quase - secreto. As desculpas eram porque havia demorado muito para voltar, não havia mandado notícias, não havia cumprido suas promessas. Continuei não importando, o que passou já passou, o que deve ficar deve ser o presente, e você estava ali, não estava?
     Deitamos na grama, virados um de frente para o outro, as mãos dadas e uma posição - de ambos - quase fetal. Você estava sorrindo aliviado, eu estava sorrindo feliz. As palavras não precisavam serem mais pronunciadas. O silêncio soube preencher todos os nossos espaços, e foi então que eu percebi que podem se passar mil anos, o que é amor, sempre volta.''


J.B.W.