sábado, 17 de setembro de 2011
É tempo de mofo.
''Entre. Mas não repare muito. As paredes estão rachadas, o telhado está com goteiras e o assoalho está descolando. Tá meio escuro mesmo, não tem luz, a não ser por aqueles feixes que vem lá de fora pela janela. O cheiro não está agradável. Mas é que são os tempos de mofo, meu caro. Não é agradável, eu sei. Mas até me acostumei com essa podridão. Ao olhar para a janela, posso ver que o tempo passa. As pessoas dançam e sorriem. E como elas sorriem. Vejo que a grama está verde, o céu está azul e as flores estão nascendo. Pessoas estão nascendo. Mas do lado de cá, tudo está morrendo. A flor que eu trouxe de lembrança de uma vida serena já murchou. Meus dedos também estão murchos. Minha pele está áspera e coberta de poeira. Fui deixada no relento, e olha só, eu não estou ligando. Aprendi a aceitar que momentos mofados são necessários, que momentos de solidão e podridão também podem trazer algo de proveitoso. Não tiramos lições de quando estamos do outro lado, do lado colorido da história. Aprendemos a respeitar os nossos limites desse lado em preto e branco. Assim, podemos nós mesmos colori-lo como bem entendermos. E por enquanto que o sol brilha do lado de fora, e nesse meio tempo em que tudo do lado de lá é mais bonito que do lado de cá, eu venho me avaliando, eu venho me curtindo em meio a tanta teia de aranha. Não se preocupe, estou me recriando, estou me reinventando. É tempo de colocar um disco de vinil melancólico como plano de fundo, é tempo de nada mais nada menos que mofo. Estou na minha própria decomposição, na minha troca de pele e por favor, não me atrapalhe. Estou bem assim. Já dizia Caio Fernando Abreu: 'Porque mesmo que os morangos estejam mofados, os morangos continuam sendo morangos.' ''
JBW 17/09/2011
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É como num conto do Caio, a gente vê o pessoal dentro da roda, mas fica só a observar, a roda girando com todo mundo dentro.
ResponderExcluirAinda não sei como uma editora famosa ainda não te achou pra publicar esses teus textos perfeitos! Tão lindos e mostram você de um jeito tão real que as vezes parece que posso te toca. Boa sorte Matilda, tudo de melhor pra vc. Beijos da sua maior fã, Amélia.
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